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Opinião

Valor Econômico

16 de junho de 2023

 

O Valor de São Paulo em Risco: a Revisão do PDE

Por Philip Yang — Para o Valor, de São Paulo

A revisão do Plano Diretor de São Paulo (PDE) poderá desencadear um processo de destruição de valor sem precedentes na história da cidade. Enorme valor econômico, ambiental e social poderá ser subtraído se a sociedade paulistana for incapaz de lidar com as preocupações dos diferentes vetores de pressão envolvidos. Construir uma convergência de objetivos é fundamental para nosso futuro urbano.

O conflito sobre a revisão do PDE envolve, de um lado, incorporadores, proprietários de terrenos e agentes do mercado financeiro – pessoas e instituições que, de alguma forma, ganham dinheiro com novos empreendimentos imobiliários. Para esse segmento da sociedade, é fundamental dispor de mais áreas em que novas construções verticais possam ser realizadas. Seus integrantes atuam com maior ou menor grau de legitimidade. Apesar de heterogêneo, o grupo de modo geral apoia a revisão em curso, e seus membros estão unidos pelo imperativo da reprodução do capital e da sobrevivência econômica.

De outro lado, temos os vetores da sociedade contrários à proposta de texto da revisão em curso. A academia e entidades de classe têm produzido notas que buscam mostrar os efeitos potencialmente negativos que a permissão para mais prédios, sem estudos que a fundamentem, e mais vagas de garagem trariam para a cidade. O MP tem chamado a atenção para a falta de tempo e de condições para uma discussão adequada de mudanças que alterariam radicalmente os princípios norteadores do PDE original. Grupos NIMBY defendem os seus privilégios, e lutam contra a verticalização para preservarem o seu lugar ao sol.

No meio dos prós e contras, a Câmara Municipal produziu um substitutivo fortemente desequilibrado em favor das forças de mercado e que desconsidera as preocupações e hipóteses suscitadas por urbanistas e pela sociedade. E, de forma alarmante, o substitutivo avança para a segunda votação, sem que os órgãos de controle social consigam deter o avanço e eventual aprovação de uma norma cujas consequências são desconhecidas por todos, inclusive por aqueles que a defendem.

O que acontece quando uma cidade multiplica por 100 o potencial construtivo licenciado anualmente? Por que uma liberalização em tal ordem de grandeza se o próprio mercado não terá condições de absorver tal oferta? A formação de preços poderá afetar o próprio setor incorporador, desarticulando a cadeia produtiva imobiliária. A mobilidade urbana poderá ser gravemente prejudicada. Dada a escala das mudanças propostas, os impactos ambientais tampouco são conhecidos e tal incerteza deveria inclusive invocar judicialmente o princípio da precaução.

Objetivamente, sabemos apenas que a proposta de ampliar as áreas nas quais a construção de prédios mais altos é permitida eliminaria a hierarquia entre "eixos de transporte" e "miolos de bairro". Exceção feita a cidades históricas como Varanasi na Índia, Fez no Marrocos e muitas cidades antigas na China, todas grandes cidades modernas tenderam a adotar algum grau de hierarquização espacial planejada.

Sabemos também que o aumento do coeficiente de aproveitamento propugnado para zonas demarcadas para a construção de habitação social (ZEIS), embora bem-vindos em certas áreas mais centrais, pode ter consequências sociais e ambientais desastrosas em regiões mais periféricas.

Sabemos ainda que a liberalização para construção vertical produz o adensamento construtivo, mas não necessariamente nos conduz a um desejável adensamento populacional. E, contrariamente ao que buscam demonstrar teóricos liberais, dados históricos mostram que, empiricamente, o chamado 'upzoning' não necessariamente acarreta uma queda de preços.

Sabemos, por fim, que a verticalização proposta não distingue áreas com alta e baixa oferta de empregos. Perde-se, assim, a oportunidade de fazer com que política urbana induza a proximidade entre moradia e trabalho, e evite um espraiamento indevido que, como sabemos, tem impacto gigantesco sobre a qualidade de vida da população.

O que sabemos é pouco diante do mar de incertezas e de riscos que cercam a revisão, mas o suficiente para argumentar que o texto seja repensado. Num contexto como esse, em que as próprias instituições democráticas fraquejam, cinicamente satisfeitas com o cumprimento das formalidades que sabemos serem insuficientes, resta clamar ao Legislativo municipal e agentes de mercado que exerçam moderação e cautela e trabalhem para a construção de um novo texto.

O Prefeito Ricardo Nunes terá papel decisivo nesses dias que precedem a votação final do substitutivo. Detentor de poder de veto, as decisões a serem emanadas de sua liderança executiva ecoarão por décadas a fio e serão determinantes para o futuro da sustentabilidade econômica e social da cidade.

Philip Yang é fundador do Instituto URBEM

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