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São Paulo na encruzilhada - Notas para uma agenda urbana possível

28/04/2013

Philip Yang

Mais do que em qualquer outra época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto. O outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de saber escolher. 

Woody Allen

A encruzilhada é o lugar onde se cruzam dois ou mais caminhos. Metaforicamente, simboliza os dilemas de uma travessia, a dúvida quanto ao melhor caminho e, no limite, a esperança de chegar ao destino pretendido. Dadas as incertezas que nos cercam como sociedade urbana, a metáfora parece se aplicar bem às expectativas quanto ao futuro da cidade. São Paulo na encruzilhada... Para onde vamos? Que rumo tomar?

Seremos capazes de promover a construção de um destino comum, a partir de um conjunto de valores e objetivos verdadeiramente compartilhados pelo espectro mais amplo da sociedade? Ou, ao contrário, com mais de 20 milhões de habitantes e o caos instaurado, vamos nos resignar aos conflitos entre os diversos grupos sociais e a uma dinâmica desordenada de conformação do espaço urbano?

 

Parte­-se do pressuposto de que é possível articular consensos amplos para a construção de uma cidade melhor. Mais do que uma expressão de otimismo, parte­-se do princípio de que somente a sedimentação de valores e objetivos comuns tornará possível a ação efetiva sobre o território urbano. Em contraposição às palavras de Woody Allen, sugere-­se aqui que “a sabedoria de saber escolher” seja aplicada, não ao desespero ou à extinção, mas à busca coletiva do que efetivamente queremos para a cidade.

 

Parte-­se também da premissa de que o processo urbano, em qualquer cidade do mundo, é o resultado da interação de três poderes: o poder político, o poder econômico e o poder social. Nas sociedades democráticas modernas, é o equilíbrio desse tripé que determinará a viabilidade, o sucesso e a sustentabilidade do “fazer cidade” e da vida em sociedade.

Historicamente, o equilíbrio sempre pendeu mais para algum desses três poderes. No Neolítico, com o advento da agricultura, podemos intuir que o poder social, ainda espontâneo e horizontal, terá prevalecido na formação dos primeiros agrupamentos e vilarejos. Quando a acumulação de riqueza demandou aparatos de segurança ­­ tais como o cercamento das cidades por muros, processo que teve início em 2.900 a.C. e se estendeu pela Idade Média ­­ o poder político prevaleceu na definição dos territórios urbanos. Na Europa pós­-medieval, a consolidação dos Estados Nacionais e o fortalecimento da burguesia levaram a uma aliança entre o poder político e o poder econômico, que acabaram por definir as grandes intervenções urbanas, como a de Paris da segunda metade do século XIX, concebidas pelo barão Haussmann.

Mais recentemente, nos Estados Unidos do pós-­guerra, mas também em diversas cidades da Europa e da Ásia, ora é o poder econômico, ora é o poder político – em muitos casos em detrimento do poder social – que vai determinar a conformação dos espaços urbanos. O esvaziamento dos centros urbanos e a correspondente “suburbanização” das grandes cidades norte­-americanas, debaixo do ideário do American Dream da casa própria, foram em grande medida alimentados pelas forças do capital e posteriormente radicalizados e expandidos pela chamada securitização do mercado imobiliário – que viria a culminar com a excessiva alavancagem e a crise dos títulos subprime em 2008.

Favelões e habitações populares históricas foram varridas em diversas cidades asiáticas pelo poder político, sob o manto imperativo da modernização, ou simplesmente pela ganância e brutalidade de agentes privados, como ocorreu em Seul, nos anos 1990, quando lutadores de sumô foram contratados por incorporadoras para demolir, a marretadas, residências e seus móveis em todo um bairro, hoje coberto de edifícios de alto valor. As grandes favelas de São Paulo – que rasgaram áreas de mananciais – são expressões de poder social, atuando fora e à revelia do desejável marco regulatório do poder político. Prutt­Igoe, em Saint Louis (Missouri) nos EUA, construído em 1955 e demolido em 1972, é um exemplo histórico do que não se deve fazer como projeto habitacional. Considerado pelos críticos de arquitetura como marco do fim do modernismo, talvez ele tenha sido apenas o resultado de um excessivo dirigismo governamental, que prevaleceu na sua concepção urbanística.

Em cenário menos dramático, a Promenade Plantée em Paris e o High Line de Nova York constituem exemplos de intervenções urbanas viabilizadas pela convergência dos poderes social, político e econômico. Em ambos os casos, a autoridade do poder público (que ajusta o marco regulatório para a viabilização e gestão do projeto), a vontade popular (cuja voz é ouvida, em maior grau no caso do High Line do que no Promenade Plantée) e os interesses econômicos (que são premiados com adequadas taxas de retorno ajustadas aos riscos que correm ao investirem seu capital) convergem para transformar uma via férrea elevada, abandonada, em grande espaço público, dinamizador de novo tecido urbano de uso misto e plural em seus arredores. Nos dois exemplos, assistimos a uma simultânea geração de valor econômico e de valor social, na qual todos ganham.

Os exemplos, de acertos e erros, históricos ou mais recentes, são inúmeros. Em alguns casos prevaleceu a força do mercado (às vezes de forma brutal), em outros o poder do governo (por vezes de maneira autocrática) e em outros as forças sociais (de modo mais ou menos civilizado, conforme o caso). Importa apenas registrar que parece razoável afirmar que qualquer intervenção urbana, quando realizada unilateralmente por qualquer um dos três poderes, terá menos condições de viabilidade, legitimidade e sustentabilidade do que os projetos que forem devidamente "costurados" por essas três forças.

Se aceitamos a necessidade do equilíbrio dos três poderes como um corolário para a vida urbana, importaria identificar temas que o conjunto da sociedade em São Paulo adotasse como prioritários para o futuro da cidade. Numa cidade que ostenta os registros dos maiores engarrafamentos do mundo (295 quilômetros de lentidão no dia 1o de junho de 2012; 300 quilômetros de lentidão em 26 de julho de 2013), cujo padrão de fluidez piora a cada dia (segundo a CET, tivemos uma velocidade média de 15 quilômetros por hora em 2012, uma piora de 18% em relação a 2008), e na qual mais de um terço da população vive em condições subnormais, parece inegável que o binômio mobilidade­habitação constitui tema central para todos os moradores da cidade.

I

 

De acordo com o Plano Municipal de Habitação de 2011, São Paulo apresenta uma demanda habitacional de 1 milhão de novas unidades para o período 2009-24 e precisa urbanizar e regularizar aproximadamente 3 mil assentamentos precários ocupados por 30% da população da cidade. A demora na produção de novas unidades resulta no agravamento do quadro. Uma solução para o problema, é não apenas um imperativo moral, mas também uma pré-condição para a normalização de diversos componentes da vida em cidade ­­ a segurança, a revitalização de ruas tomadas por moradores de rua, a paisagem urbana.

O grande entrave da questão habitacional em São Paulo reside no fato de que, de um lado, os programas e subsídios governamentais de habitação social, embora bem intencionados, não são capazes ou suficientes para gerar moradia em áreas centrais da cidade. Com poucas exceções que confirmam a regra, as habitações sociais induzidas ou oferecidas pelo governo são: (a) de baixa qualidade construtiva e arquitetônica; (b) construídas em regiões periféricas destituídas de equipamentos urbanos, comércio e serviços e (c) transformadas em bolsões de pobreza e de violência, em polos de ressentimento isolados da cidade, que condenam seus moradores à imobilidade social.

Em outras palavras, os programas governamentais de habitação social produzem um alargamento doentio da fronteira urbana e não contribuem para a revitalização das áreas centrais. Ao trazerem uma solução incompleta para a questão da habitação, acabam por alastrar pelo território problemas que ampliam de forma exponencial as mazelas em outros diversos âmbitos: da segurança pública, de transporte e do meio ambiente.

Por outro lado, as forças do mercado imobiliário atuam em outros segmentos da demanda e não necessariamente contribuem para a redução do déficit habitacional global da cidade. Como norma, a livre ­iniciativa acaba por gerar empreendimentos voltados para dentro, cercados por muros, sem qualquer consideração pelo seu entorno ou pela geração de um meio urbano de interesse público, problema agravado pela ausência de um marco regulatório indutivo que incentive a pluralidade de usos e de faixas de renda.

Mantidas as atuais trajetórias, caminharemos para uma cidade totalmente dividida e polarizada, formada por guetos. Guetos de pobres e guetos de ricos, isolados e separados por uma cidade sem vida, apartada e geograficamente ineficiente. Para que evitemos tal polarização, a discussão acerca da disseminação regulamentar de habitações socialmente plurais em todas as regiões da cidade, sem exceção, bem como a adoção de medidas que garantam que as ZEIS se constituam em polos de dinamismo econômico e social, e não bolsões de pobreza, devem estar na ordem do dia.

Sem um choque de consciência, que interrompa esse movimento inercial de governos e de mercados, que não atuam conjuntamente, teremos o retrocesso, o caos, o subdesenvolvimento. Somente a convergência de interesses sociais, econômicos e político­-regulatórios poderá dar encaminhamento e solução definitivos ao tema: a geração simultânea de valor econômico e valor social.

II

A mobilidade é um tema central na vida de todos os paulistanos. A solução deverá envolver um número de ações, políticas, novas regulações, mudanças de hábito e de cultura e projetos infraestruturais, notadamente na rede intermodal de média e alta capacidade. Embora não haja uma "bala de prata" capaz de resolver o grande problema da lentidão e ineficiência dos deslocamentos, parece lícito propor, como princípios gerais que: (a) o transporte individual cada vez abra mais espaço ao transporte coletivo; e (b) o usuário do transporte individual assuma parte dos custos sociais que gera, de forma a subsidiar a melhoria da fluidez dos espaços e vias públicas.

Derivam desses dois princípios, por exemplo, os conceitos da (i) municipalização da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre combustíveis) e sua aplicação a projetos de mobilidade urbana e do (ii) pedágio urbano, adotado em cidades como Londres, Estocolmo, Milão e Dublin. Cada um desses temas mereceria textos separados. Registre­-se aqui um terceiro conceito, complementar aos dois anteriores, igualmente derivado do princípio de que o indivíduo que gera custos sociais deve arcar com o pagamento dos custos sociais que gera: (iii) a supressão total das faixas de estacionamento nas ruas e a sua substituição por edifícios-garagem, cujo uso seria tarifado de forma a que o usuário passe a arcar com as externalidades que o uso do carro traz ao fluxo geral na cidade.

 

As vagas suprimidas passariam a ser oferecidas em garagens erguidas a cada 2 ou 3 quadras, na mesma rua (ou nas imediações) de onde as vagas foram retiradas. Os edifícios-­garagem seriam construídos pela iniciativa privada, que contribuiria para a requalificação das calçadas e exploraria os estacionamentos por concessão pública.

Os estacionamentos extintos nas ruas dariam lugar a calçadas alargadas e a ciclovias. A ausência de vagas nas ruas amenizaria o trânsito de carros e proporcionaria mais verde, mais espaço para pedestres e ciclistas. Num esforço dos "três poderes", o governo ajustaria a legislação e realizaria eventuais desapropriações, os concessionários de estacionamento ou construtoras investiriam na construção dos estacionamentos verticais, o mercado imobiliário comprador adquiriria os novos espaços comerciais criados nos edifícios­-garagem e os motoristas pagariam pelo uso das garagens.

 

Essa proposta já poderia começar a ser implementada, por exemplo, nas Zonas Azuis. Suas 40.000 vagas seriam substituídas por cerca de 100 garagens com 400 vagas cada em média. As novas calçadas dariam maior comodidade aos pedestres e, ao mesmo tempo, poderiam receber com segurança uma faixa para ciclistas.

 

III

Habitação e mobilidade nos remetem a um terceiro bloco de questões associadas ao que se convencionou denominar “cidade compacta” – aquela cujo território integra moradia, trabalho, lazer, comércio e serviços, num raio de proximidade, facilmente acessível por caminhada, bicicleta ou transporte público. Cidades compactas são mais sustentáveis, por serem menos dependentes do uso do carro e por demandarem infraestruturas e edificações mais econômicas do ponto de vista energético e construtivo.

Apenas para ficarmos em um exemplo, ao levarmos água potável, eletricidade, cabos da internet e televisão e saneamento para famílias que estão 50 metros distantes umas das outras, gastamos mais energia e materiais do que se essas mesmas famílias estivessem a uma distância de 10 metros, num edifício. Temos, neste exemplo, uma economia de 40 metros de uma miríade de tubulações (fios de cobre, cabos de fibra ótica, tubos de concreto e de PVC) para cada residência trazida para ambiente compacto; se levarmos em conta uma comunidade de cem famílias agrupadas em um edifício, essa economia vai a 4 mil metros. Ou seja, numa situação de apenas um prédio em uma cidade compacta, temos uma economia de um volume equivalente à aplicação de 4 quilômetros de cada um dos materiais acima mencionados (concreto, cobre, PVC, fibra ótica). Se somarmos a isso a economia de energia e de emissões de dióxido de carbono associadas aos deslocamentos dessas famílias, temos um ganho de escala de impacto ambiental e urbano não negligenciáveis.

Associada a políticas de incentivo à transferência de postos de trabalho para um modelo de organização da produção baseado no conceito de small offices/ home offices, a cidade compacta ajuda a recriar a vida comunitária nos bairros, pois permite que a atividade econômica se disperse por todo o território da cidade, reduzindo assim o volume de deslocamentos em horários de pico.

Economistas, sociólogos, ambientalistas e urbanistas no mundo inteiro convergem em torno do conceito da cidade compacta, sobretudo quando concebida com incentivos orientados o reposicionamento do território em questão na nova economia de serviços. Paul Krugman, Saskia Sassen, David Harvey, Richard Rogers, Jane Jacobs, Edward Glaeser, Richard Florida e Jeff Speck, entre outros, veem historicamente argumentando contra o urban sprawl, o espalhamento urbano, e em favor da cidade compacta. No Brasil, expoentes do urbanismo e do pensamento sobre cidades,

como Regina Meyer, Jorge Wilheim, Flávio Villaça, Candido Malta Campos Filho, Raquel Rolnik e Rovena Negreiros, igualmente convergem e advogam em favor da cidade compacta.

No entanto, resta ainda em São Paulo o grande desafio de comunicar e difundir esse conceito entre a população. Para uma grande maioria, a expressão "cidade compacta" está associada a ideias negativas como "aglomeração" e "congestionamento" que derivariam da "verticalização" e "adensamento". Um esforço de esclarecimento é ainda necessário nesse domínio. Entre incorporadores, a expressão foi capturada e apropriada para divulgar empreendimentos verticalizados que, apesar de multifuncionais, são na realidade erigidos como comunidades fechadas, muradas e isoladas do tecido urbano, como um gueto. Tais empreendimentos, tendência do mercado imobiliário, não são representativos da construção de uma cidade exemplar ­ ao contrário, resultam na formação de bolsões de isolamento que só contribuem para a polarização e ressentimento social. Associações de bairros nos quais predominam casas reagem à chegada de prédios, em alguns casos com razão, dado que a verticalização não vem acompanhada do tecido urbano misto e integrado, que combine de forma equilibrada a chegada dos prédios com a necessária oferta de serviços, equipamentos urbanos, espaços públicos e postos de trabalho para os moradores. Evidentemente, uma campanha de esclarecimento sobre as vantagens de uma cidade compacta deve vir na esteira de um marco regulatório que efetivamente permita a sua existência.

São Paulo tem hoje a chance histórica de promover essa nova organização espacial­ territorial urbana em direção de uma cidade compacta. Entre as grandes metrópoles do mundo, São Paulo é a que detém um dos maiores estoques de glebas urbanas abandonadas ou subutilizadas – em áreas centrais –, que podem servir para a reinvenção e reestruturação da cidade. Em menos de cem anos, a atividade industrial paulistana nasceu, cresceu e declinou, mas as fábricas e chaminés, galpões e terrenos industriais permanecem congelados no tempo por leis de zoneamento e códigos de obras ultrapassados. A rapidez da transformação econômica não foi acompanhada por um marco legal que regule o uso e a ocupação desse território tão estratégico para o futuro da cidade e do País.

Paradoxalmente, esse atraso histórico abre a possibilidade de promovermos uma reorganização em grande escala, que pode dotar São Paulo de espaços de uso misto, que combinem moradia digna, trabalho, comércio e serviços – espaços mais densos e menos dependentes do uso de carros. É necessário, da mesma forma, incluir nos projetos o desenvolvimento das marginais dos rios paulistanos, notadamente o Tietê. Só assim a metrópole terá condições de dar um salto em direção à Terceira Revolução Industrial e a um novo modelo de organização da produção baseada em conhecimento e serviços, abrigando com equidade a sua população e transformando-­se em uma plataforma de produção e consumo de conhecimento e de inovação.

 

IV

São Paulo possui diversos atributos – de dinamismo, grandeza, pluralismo ­, mas definitivamente não é uma cidade marcada pela beleza. Não carregamos o belo patrimônio de uma história milenar como Istambul ou Roma, nem temos uma paisagem natural como a do Rio de Janeiro, de Melbourne ou de Vancouver. Tampouco temos indicações claras de planejamento – bom ou ruim – de cidades como Nova Délhi, São Petersburgo, Washington ou Brasília. Ou seja, São Paulo não ostenta traços marcantes da história, da natureza ou de planejamento; resta­-nos, pois, trabalhar com o futuro do ambiente construído.

São Paulo necessita de um grande programa de renovação da paisagem urbana que atue em três dimensões distintas: das fachadas, das infraestruturas e da representação coletiva da cidade enquanto metrópole global.

No plano das fachadas, tivemos no passado recente o sucesso do Cidade Limpa, programa municipal responsável pela remoção completa de outdoors na cidade e regulamentação do tamanho de letreiros e placas de estabelecimentos comerciais, o qual foi recebido pela sociedade como uma medida eficaz contra a poluição visual. Agora, um dos grandes desafios da prefeitura é fazer com que o Cidade Limpa se transforme em Cidade Linda. Como promover a regeneração dos grandes corredores urbanos marcados pela presença de edifícios com fachadas em péssimo estado de conservação?

 

Sugere­-se aqui o estabelecimento de um novo marco regulatório que permita a reintrodução controlada de mídia externa por meio de uma agência municipal que passaria a auferir receitas oriundas de concessões de espaços publicitários selecionados e canalizaria essa verba para obras de restauração em grande escala. Se a contrapartida desse novo marco regulatório for devidamente negociado com as forças da cidadania, prédios degenerados de grande visibilidade, situados em corredores viários importantes de São Paulo, poderiam também ser transformados em espaços temporários de publicidade e ofertados a anunciantes que queiram utilizá-­los gratuitamente, em troca de projeto de reabilitação ou limpeza da fachada do edifício considerado.

Em dez anos de existência, um programa semelhante adotado em Barcelona em 1986, denominado Barcelona, posa't guapa (“Barcelona, ponha-­se bonita”), realizou mais de 22 mil renovações, numa verdadeira revolução na paisagem da cidade. Os resultados iniciais do programa foram colhidos em prazos bastante curtos, o que permitiu que Barcelona pudesse resgatar rapidamente sua imagem, melhorando a qualidade de vida de seus cidadãos e promovendo a sua reentrada no circuito das mais belas cidades europeias.

São Paulo pode repetir essa experiência bem­ sucedida, reabilitando sua paisagem e, ao mesmo tempo, lançando as bases para um mecanismo de manutenção permanente da paisagem urbana. A prefeitura pode executar o projeto por meio de concessionários, e teria a vantagem de oferecer um espaço de atuação para as empresas atingidas pelos efeitos do Cidade Limpa.

 

Da mesma forma, no plano infraestrutural, o enterramento da fiação aérea contribuiria para a melhoria da paisagem urbana, ao tempo em que aumentaria a eficiência das redes de eletricidade, internet e de TV a cabo, permanentemente sujeitas a interrupções causadas por intempéries. A viabilização do projeto de enterramento de fios em larga escala (e supressão de postes!) poderia, por exemplo, envolver a construção de galerias subterrâneas em regime de concessão, regulada por instrumento de parceria público-­privada, negociado entre os três níveis da federação. Com tal solução, poderemos superar as dificuldades de regulação hoje existentes, que desmotivam as empresas a fazê-lo. Má regulação, incentivos desalinhados e conflitos de competência dos entes federativos são hoje atualmente a fonte dos entraves, que podem e dever ser superados.

V

As cidades são expressões de uma época traduzidas no espaço. As habitações, o padrão de mobilidade e de organização espacial e a paisagem urbana são manifestações da vontade coletiva de uma sociedade. As cidades projetam no território aquilo que os cidadãos, como coletividade, almejam ser no presente e no futuro.

A São Paulo de hoje, marcada por ineficiências, insegurança, injustiças sociais e feiura não carrega uma expressão coletiva à altura da importância da cidade como centro econômico e cultural ou do que seria a soma da vontades de cada cidadão. Os temas aqui abordados compõem uma tentativa de proposição de uma agenda paulistana voltada para a construção de uma cidade melhor, renovada, que resgate o vínculo de afeto e de identidade da população com o seu entorno.

 

A título de conclusão, parece válido imaginar que a coletividade paulistana almejaria construir uma cidade com alma, animada e vibrante, marcada por uma vigorosa paisagem, simbólica e iconicamente representativa da metrópole global e, à luz dos tópicos aqui anotados, buscar projetos que: (a) no plano habitacional, promovam a mitigação das disparidades que prevalecem entre as ofertas de moradia, emprego, comércio e serviços, por meio da estruturação de novas centralidades e de tecidos urbanos de uso misto; (b) no plano da mobilidade, levem o usuário do transporte individual a assumir parte dos custos sociais que gera, de forma a subsidiar a melhoria da fluidez dos espaços e vias públicas e o aprimoramento da rede intermodal de transportes públicos e privados, sobretudo dos modais de alta e média capacidade de passageiros, mas também a ampliação de calçadas e ciclovias, conforme acima sugerido; (c) no plano da produção, induzam o florescimento de uma economia criativa, que, a exemplo de outras cidades bem ­sucedidas, transforme os antigos territórios de produção industrial em novos espaços de produção e consumo de conhecimento e inovação; e (d) no plano da cidadania, favoreçam um adensamento com vistas à viabilização de uma cidade compacta.

Colocar a cidade em outro patamar de convívio público, socialmente mais justo e esteticamente mais belo, depende, em grande parte, do repovoamento do centro expandido por programas de habitação social e de mercado em tecidos urbanos de uso misto e da reconquista das margens dos rios paulistanos, especialmente o Tietê, a fim de restabelecer a relação orgânica com as águas fluviais, por meio do afastamento, onde possível, das pistas locais do sistema das marginais, de modo a transformá‐las em avenidas-parque de baixa velocidade, entremeadas por novos corpos e cursos de água limpa e áreas verdes, acessíveis e desfrutáveis por pedestres e ciclistas. Teremos certamente uma cidade melhor se pudermos construir um novo domínio público ao longo dos rios, estruturado por sucessivos parques fluviais e bulevares entrecruzados, longitudinais e transversais.

Esses são os temas de uma agenda possível para o futuro de São Paulo. As mudanças pretendidas devem ter um duplo caráter: evolucionário e revolucionário.

Evolucionário, pois precisamos buscar partir de realidades preexistentes, dando novo impulso a vocações estabelecidas, mas ao mesmo tempo revolucionário, pois precisamos romper paradigmas, introduzindo novas formas de ocupação e organização espacial para a moradia, a produção e o lazer.

A cidade apresenta um atraso histórico enorme em sua organização espacial e devemos buscar resgatar com urgência o tempo perdido, fazendo jus, de forma renovada, ao nosso velho lema: non ducor, duco!

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