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Plano privado para casas populares gera conflito com vizinhos da Ceagesp

Condomínios se mobilizam contra moradia popular na Vila Leopoldina

04/06/2018 

Thiago Amâncio

SÃO PAULO

Um plano urbanístico de empresas privadas para a região da Ceagesp, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, propõe uma troca: a autorização para empreendimentos imobiliários maiores mediante a urbanização de duas favelas da área, além da abertura de vias, criação de um bulevar e equipamentos sociais como creche e albergue para moradores de rua.

Troca que deixou moradores da região reticentes. Isso porque, com as mudanças, parte dos que vivem nas favelas devem ser levados para outra quadra do perímetro.

O espaço afetado fica ao lado da Ceagesp, maior entreposto atacadista de frutas e verduras do país, e junto da marginal Pinheiros. No terreno, há galpões, um hipermercado Carrefour, condomínios, um conjunto habitacional e duas favelas.

A proposta de revitalização é da Votorantim (dona de um terço da área proposta) e das incorporadoras imobiliárias SDI e BVEP, além do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos da Metrópole), que cuidou da parte técnica.

Há três favelas na região. A favela da Linha é a maior, com 412 famílias, e tem esse nome por ter crescido num antigo ramal ferroviário, atualmente desativado. Bem próximo, há a favela do Nove (em frente ao portão 9 da Ceagesp), com mais 349 famílias, segundo medição feita há dois anos.

Hoje com uma série de condomínios de classe média alta, a Vila Leopoldina surgiu como bairro operário em uma região industrial da cidade. No início dos anos 1970, favelas formaram-se na região, com pessoas que se mudaram para lá em busca de trabalho na Ceagesp, criada em 1969.

Nos anos 2000, a prefeitura construiu lá o conjunto habitacional Cingapura Madeirite, dentro do escopo do Cingapura, programa municipal de urbanização de favelas. Hoje, há 15 famílias que vivem em situação precária em vielas no entorno desses prédios.

Na região, há também forte presença de moradores de rua e usuários de crack, além de uma pequena cracolândia, acentuada após a polícia fechar o cerco contra a cracolândia do centro da cidade.

Agora, o plano urbanístico prevê recuperar a área com o parcelamento de lotes, abertura de ruas e a criação de bulevar voltado a pedestres e ciclistas, que será o principal espaço de convívio. A medida que mais chama atenção, no entanto, é a construção de moradias para as pessoas que vivem ali, além da reforma do conjunto habitacional. Serão 250 apartamentos no terreno, além de creche, posto de saúde e restaurante-escola. 

Os outros apartamentos ficarão em outro terreno, e é isso o que tem causado barulho nas consultas públicas.

Há cinco cenários propostos no projeto apresentado. Três deles envolvem a compra de terrenos privados —e são desaconselhados pela prefeitura. Um quarto propõe construir habitações restantes em um terreno mais próximo ao da Ceagesp, mas é menos recomendado pelo poder público, que aponta entraves.

O cenário mais viável de acordo com a prefeitura —e que provavelmente deve ser escolhido— é usar um terreno da SPTrans (empresa municipal de transportes) na região, hoje uma garagem, onde seria possível construir 526 unidades habitacionais. Como esse local já pertence à administração municipal, a transferência seria bem mais simples.

Essa proposta, no entanto, tem incomodado vizinhos.

Segundo o administrador Carlos Alexandre de Oliveira, síndico de um condomínio no entorno, há uma demanda antiga para que o terreno da SPTrans vire um parque.

“Não somos contra o PIU [Projeto de Intervenção Urbana, instrumento da prefeitura que permite flexibilizar regras do Plano Diretor e implantar a mudança prevista], pelo contrário, somos a favor do cenário B [no terreno da Ceagesp], mas com mais contrapartidas ao bairro. O que a Votorantim está propondo é o mínimo. A empresa tem um terreno grande e tem um problema que é uma favela no meio desse terreno. Essa favela desvaloriza o que eles querem construir lá e eles querem se livrar disso.”

Outro argumento utilizado é que o terreno da SPTrans é contaminado. Segundo a prefeitura, laudos preliminares constataram a presença de contaminantes, mas passíveis de controle e com baixo risco aos moradores.

Oliveira argumenta também que a proposta traz danos ao cofres públicos. O projeto está orçado em R$ 110 milhões, sendo R$ 30 milhões bancados pela prefeitura, como financiamento das moradias populares, e outros R$ 80 milhões bancados pela iniciativa privada. Este recurso vem da outorga onerosa, valor que se paga por construir acima do permitido na legislação —e que é uma antecipação do que seria gasto em 20 anos, calculado em R$ 240 milhões.

PROJETO É BEM-VINDO, MAS REQUER CONTROLE, AFIRMA SECRETÁRIA

As empresas vão dobrar o potencial construtivo e revitalizar uma área que fica já numa região valorizada, onde poderão construir condomínios, hotéis e shoppings, muito mais valorizados.

“A gente tem uma área que é do grupo há décadas e as atividades industriais cessaram em 2014”, diz Benjamin Citron, que comanda a área de desenvolvimento imobiliário da Votorantim. “A forma mais convencional de desenvolver um terreno como esse seria pensar do muro para dentro, lote a lote, e lançar empreendimentos individualizados. Com o PIU, a gente vê outras possibilidades”, afirma.

Sobre quanto deve render esse investimento de R$ 80 milhões, Citron diz que “é difícil trabalhar num valor único agora, é um projeto de muito longo prazo”.

Para a secretária de Urbanismo e Licenciamento, Heloisa Proença, nomeada por João Doria (PSDB) e mantida por Bruno Covas (PSDB), o projeto é bem-vindo e é um modelo interessante financeiramente para a prefeitura, “mas não necessariamente é o melhor caminho urbanístico” a ser usado em qualquer situação, de forma indiscriminada. “Ao mesmo tempo que a prefeitura recebe esses recursos, também precisa ter um controle urbanístico”, afirma.

A proposta, diz Proença, ainda não está fechada: em consulta pública, precisa ainda ser aprovada pela Câmara Municipal —a expectativa é de que chegue até lá no começo do segundo semestre.

Para Welton Oliveira, que vive na favela do Nove há 20 de seus 24 anos, a reação dos vizinhos tem outro motivo: “não querem pobre morando do lado deles”. 

Apesar de estarem otimistas com a proposta, os beneficiários com as moradias querem ajustes no projeto, como mais vagas de garagem, apartamentos maiores e espaço para os comerciantes que já operam negócios informais na área.

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