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O fim da Cidade Google

(e o que você tem a ver com isso)

Era das cidades integradas, verdes e "sensíveis" enfrenta o desafio da privacidade

 

Folha de São Paulo

20 de agosto de 2020

Philip Yang e Carlo Ratti

Aquele que terá sido um dos mais ambiciosos projetos de renovação urbana do planeta foi subitamente cancelado em maio agora. Depois de três anos de planejamento e intensas negociações, a Sidewalk Labs, afiliada da Google, anunciou o fim de sua parceria com a cidade de Toronto. Enterrava-se ali o sonho de transformar a orla do Lago Ontario num bairro dotado de novos materiais de construção, uma gama de sensores e outras ferramentas digitais de gestão urbana.

O que aconteceu? Por que esse fato, na longínqua cidade canadense, importa aos cidadãos brasileiros?

No mundo todo, a evolução do projeto era aguardada com ansiedade, tanto por sua legião de entusiastas como por seus detratores. Afinal, o que pode acontecer quando uma gigante tecnológica decide empregar sua força criativa (e poder econômico) para inventar, conforme anunciava seus prospectos, uma cidade sustentável e inclusiva dotada dos mais sofisticados artefatos da Internet das Coisas, automação e big data?

Com sensores dispersos pela cidade monitorando o movimento de pessoas e automóveis autônomos, a temperatura das calçadas, o abre e fecha de marquises conforme o clima e até mesmo o movimento de luminárias e lixeiras, estaríamos diante de um éden tecnológico ou, nas palavras de um de seus críticos mais ferozes, de "um experimento colonizador do capitalismo de vigilância, que tenta destruir importantes questões urbanas, cívicas e políticas"?

Em anúncio público, Dan Doctoroff, CEO da Sidewalk, indicou a pandemia e as incertezas econômicas que pairam sobre o mundo como razões da retirada da empresa. O argumento, embora sincero, mais oculta do que revela o que realmente causou a suspensão do projeto: impasses em torno da escala do empreendimento, das contrapartidas público-privadas e da privacidade.

Depois de buscar uma extensão de 770.000 m2, o projeto foi encolhido para uma gleba de 48.000 m2. Rompia-se o equilíbrio de seu modelo econômico e o emprego de determinadas tecnologias de grande escala ficava impedido. Também evidentes foram as dificuldades negociais em relação ao valor da terra pública e às contrapartidas a serem realizadas de parte a parte. Por fim, preocupações manifestadas pela sociedade civil com relação à privacidade levaram a impasse no tema atinente à gestão e propriedade de dados digitais coletados.

No momento em que São Paulo tenta discutir a implantação do Centro Internacional de Tecnologia e Inovação (CITI), que também pretende ser um polo de vanguarda urbana, o fracasso de Toronto e os erros incorridos pelos agentes envolvidos, inclusive no tema da privacidade, devem ser tomados como ensinamento para a condução da estratégia institucional do projeto paulistano. Em particular, fica evidente que o diálogo transparente – componente que esteve muito aquém do desejável em Toronto – é fator fundamental para a construção do equilíbrio entre interesses de governo, mercado e sociedade.

Mas a maior lição do episódio talvez seja esta: o fim do projeto correspondeu a uma derrota de todos. Perdeu o Sidewalk Labs, a cidade de Toronto e também a causa maior da inovação urbana. Melhorar plataformas para o engajamento da comunidade e o diálogo público-privado é um desafio formidável que precisa ser enfrentado, uma razão adicional para seguirmos criando novos experimentos. 

Hoje, a inovação urbana é necessária, pois a Internet das Coisas está desencadeando uma nova onda de experimentação que colocará as cidades em novo patamar de bem estar e produtividade. Estar fora dela nos condena ao atraso. Estamos entrando na era das cidades integradas, verdes e "sensíveis", em que as tecnologias da informação e comunicação capturam quantidades extraordinárias de dados e implantam suas descobertas, em tempo real, para transformar práticas econômicas, administrativas e comunitárias.

Quanto mais tentativas diferentes fizermos, maior será a probabilidade de conseguirmos um equilíbrio saudável na vida urbana e, assim, fortalecer a democracia. Alguns esforços serão melhores que outros, e é por isso que é tão importante nos comprometermos com ampla gama de projetos. O Arco Pinheiros – a partir da promessa do CITI e do PIU Vila Leopoldina, projeto adjacente ao CEAGESP – guarda esse potencial de inovação e de esperança de uma São Paulo melhor, que nos arranque do atraso e nos projete para o futuro que os paulistanos merecem.

 

Philip Yang

Fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole).

Carlo Ratti

Professor do Massachusetts Institute of Technology, onde dirige o Senseable City Lab. Co-presidente do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial sobre as Cidades. Co-fundador do escritório internacional de design CRA-Carlo Ratti Associati.

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