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Os leilões de infraestrutura: que sucesso?

A carteira federal de infraestrutura deveria também incluir projetos voltados para a produção de bens coletivos urbanos, centrados na qualidade de vida dos mais de 87% da população que vive nas cidades

Por Philip Yang* — São Paulo

14/04/2021 17h25

Pipeline | Valor Econômico
 

 

O propalado sucesso dos leilões de infraestrutura do governo federal oculta duas lógicas não tão alvissareiras que merecem ser descortinadas. A carteira de projetos de concessão do governo federal nitidamente privilegia setores fortemente intensivos em capital. Em tese, nada de errado, mas há um grande desequilíbrio aqui. Com novos portos, aeroportos e ferrovias, atendemos apenas as demandas da agroindústria, aviação, mineração e da indústria do petróleo, e deixamos de lado, mais uma vez, a dimensão fundamental de uma economia moderna: a infraestrutura para pessoas. 

 

Poderia então o governo federal ter feito algo diferente? Afinal, o investimento na expansão da malha ferroviária e na melhoria de portos e aeroportos não deveria ser celebrado pelos brasileiros? Claro que sim, mas ao promover uma carteira desequilibrada de concessões, Brasília incorre, no plano federal, nos mesmos erros que São Paulo cometeu historicamente em escala metropolitana.

 

Em São Paulo, construímos avenidas para automóveis e caminhões e nos esquecemos das calçadas para pedestres. Retificamos rios e, ao criarmos as marginais, perdemos o convívio com as águas. A imensa rede viária da cidade e suas pontes e viadutos mataram a vida de diversos bairros, trucidando inclusive o valor simbólico do centro histórico, algo fundamental para lembrarmos que, afinal, temos um passado e, possivelmente, um destino em comum.

 

Em uma palavra, construímos uma cidade boa para a economia e péssima para as pessoas. O fluxo de bens funciona; o de cidadãos é um martírio. Trata-se de modelo obsoleto, vinculado à velha indústria num momento em que estamos virando a esquina da Quarta Revolução Industrial. É um modelo de teto baixo, que não nos impulsiona para o futuro da nova economia e nos condena ao atraso. O que fazer então?

 

A carteira federal de infraestrutura deveria também incluir projetos voltados para a produção de bens coletivos urbanos, centrados na qualidade de vida dos mais de 87% da população que vive nas cidades. Habitação de qualidade – em tecidos urbanos bem estruturados, de baixo carbono, dotados de escolas, comércio, áreas públicas, tecnologias avançadas de gestão do território e redes de transporte de alta capacidade – transformaria em poucos anos a realidade social do país. Trata-se de método o mais eficaz de mitigar os efeitos da desigualdade de renda crescente e socialmente explosiva, ao tempo em que gera empregos e acelera a transição energética e digital do país, rumo a uma economia mais verde e circular.  

 

Os leilões de portos, aeroportos e ferrovias são necessários e devem avançar. É vergonhoso no entanto nos gabar de um leilão de concessões que arrecada um valor de outorga tão mísero ante as demandas colossais de um país do tamanho continental como o Brasil – parcos R$ 3,54 bilhões, menos de US$ 630 milhões de dólares e menos de 6% do valor alocado para a política habitacional no ano passado que, como sabemos, sequer é suficiente para reduzir o déficit de moradias que afeta mais de 7 milhões de famílias brasileiras.

 

E como referência externa, vale registrar que a China levantou o equivalente a R$ 20 trilhões ao longo de 20 anos em programas público-privados lastreados em terras urbanas públicas e voltados para a formação de cidades, sim, com foco no bem estar das pessoas. Quem sabe, um modelo para nos inspirar, ainda mais agora que parecemos caminhar na direção de uma política externa que não é mais, até onde sabemos, antichinesa, negacionista ou antiglobalista.

 

 

 

Philip Yang é fundador do Instituto URBEM - Urbanismo e Estudos para a Metrópole, um do-tank para promover projetos de impacto urbano em São Paulo e outras cidades. Foi diplomata, pianista e é mestre em administração pública pela J.F. Kennedy School of Government, da Harvard University

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