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Uma janela para a cidade

07/04/2018 | 2h33

Washington Fajardo

Com tantos impasses nacionais, remontar as cidades, misturando a sociedade nos centros urbanos históricos, pode ser estratégia para pacificar espíritos e avançar

Os impasses se acumulam no país e já estamos moldados à polarização senil dos anos 60. Vivemos uma guerra fria civil. Tanto a ser feito e nada avança porque agora até as festas infantis são para coxinhas ou mortadelas.

A realidade, que não está nem aí para nossas mesquinharias ideológicas, apresenta-se mais e mais brutal, fatal, mas ninguém está muito interessado em falar sobre o déficit de saneamento básico, por exemplo. Ou sobre a profunda segregação espacial das cidades brasileiras, ou sobre como o país vira favela para todos os lados, servindo folgadamente de palco para líderes revolucionários ou justificando a omissão dos governos acerca da formulação e da implementação de politicas habitacionais.

Gastamos recursos históricos no Minha Casa Minha Vida e, depois de mais de R$ 300 bilhões e de mais de 4 milhões de moradias, o resultado é mais apartheid urbano e não menos.

Copiamos esta solução do México. Lá ela transformou-se no catalizador territorial para a criminalidade e violência sem controle que maltratam o povo há mais de uma década. Acreditando na produção em massa de habitação, famílias se endividaram, assumiram altos custos com transporte pois moram nas bordas das cidades. Suas casas se deterioram construtivamente e se depreciam com a mesma intensidade que seus proprietários não conseguem ter acesso aos serviços públicos básicos e à urbanidade. As moradias abandonadas mexicanas somam mais de 5 milhões que é o recorde mundial. Leia a impressionante série de reportagens do Los Angeles Times, produzidas pelo jornalista Richard Marosi, e veja o futuro. (http://www.latimes.com/projects/la-me-mexico-housing-es/)

A bomba-relógio urbana está armada no Brasil. Tic-tac-tic-tac.

Nas minhas andanças por São Paulo, fui visitar o conjunto habitacional Júlio Prestes, que está em construção. É um dos projetos da PPP Casa Paulista e ofertará, quando completado, 1.202 apartamentos no coração da cidade. Vale muito a pena conhecer essa solução de produção habitacional de interesse social pela sua inventividade e ineditismo no país.

 

Em 2012, a Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo fez um chamamento público de interesse privado para o desenvolvimento de estudos de modelagem de viabilidade para a criação de mais de 14.000 unidades habitacionais na região central da capital paulistana, em quatro lotes de áreas, após longo trabalho de identificação e inventário de terras públicas ociosas, de terrenos vazios até leitos férreos. A ONG Urbem, um instituto dedicado ao urbanismo, uma iniciativa do empresário Philip Yang, fez grande parte da concepção da parceria público-privada, resultando numa concorrência pública internacional, lançada em 2014.

 

Contudo apenas o lote 1, de 3.683 habitações, obteve atenção do mercado, de uma construtora mineira chamada Canopus, de médio porte. Essa ausência de grandes players da construção civil pode ser explicada pela inovação da modelagem da PPP e pela Lava-Jato que abalou empresas e gerou imagem externa do país confusa.

 

Os dois primeiros prédios do conjunto que visitei que está dentro do lote 1 foram entregues na semana passada. Abrigarão 340 famílias que passarão a viver no coração do centro histórico, justo em frente à Sala São Paulo, de música clássica, ao lado da Estação da Luz, do Museu da Língua Portuguesa, muito próximos da Pinacoteca, do teatro TV Cultura, escolas, hospitais, e gama gigantesca de urbanidade. Num raio de 20 minutos de caminhada a partir do conjunto habitacional, estão localizados os principais benefícios que a sociedade paulistana produziu em 464 anos de história. É uma janela para a cidade e para a cidadania.

 

O projeto é do escritório de arquitetura Biselli Katchborian, uma garantia de qualidade.

 

Conversei com Andra Robert, Elisabete França e Maria Teresa Diniz, responsáveis pela gestão do empreendimento pela Secretaria da Habitação e pela empresa pública CDHU. Quanto mais eu conversava com elas, mais eu ficava pensando nos inúmeros terrenos de propriedade pública no Centro do Rio. Os apartamentos são de dar inveja pela localização excepcional.

 

Nesse modelo de parceria, o promotor privado receberá para fazer, por 20 anos, a manutenção predial de danos de uso, não de construção, além da tutela comunitária, ajudando estas famílias a se organizarem para constituir condomínio, síndico, e um regimento comum. Após esse período, serão prédios como quaisquer outros.

 

Toda a composição social do conjunto visa a mistura de diferentes faixas de renda, podendo e devendo a construtora fazer habitações acessíveis pelo mercado, sem subsídio estatal. Ou seja, uma restauração do tecido social da região central.

 

Crianças vizinhas de famílias de diferentes classes poderão aprender mais sobre outros estilos de vida. Poderão também contar com a memória da cidade ao seu lado.

 

Não estarão nunca sozinhas como cidadãos pois a cidade estará com elas.

 

As soluções existem. Precisamos ter curiosidade para ir além do impasse pois o tempo não vai esperar o Brasil.

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