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Tendências e Debates

​Folha de São Paulo

25 de novembro de 2022

Democracias na encruzilhada e o papel do Brasil

Philip Yang e André Leirner

Democracias encontram-se em crise e governos e sociedades mundo afora parecem reagir de três formas diferentes.


Alguns países adotam soluções iliberais. Nesses lugares, a baixa confiança de suas populações pelas instituições nutre um sentimento antipolítico, o que permite que lideranças eleitas democraticamente, com apoio popular, passem a minar o funcionamento dessas mesmas instituições de modo a capturar o seu funcionamento. Hungria, Polônia, Turquia, são exemplos desse percurso. Testemunhamos o mesmo também no Brasil quando, por exemplo, recentemente se propôs um aumento no número de magistrados do STF. Outros casos brasileiros recentes, e também da gestão Trump (EUA), seguiram esse padrão.

O segundo tipo de reação à crise das democracias é a concentração de poder autocrático. Nesses casos, tradições distintas de cultura local confrontam tradições políticas democráticas ocidentais. Sem juízo de valor, países como a China, o Irã ou a Rússia apresentam regimes de governo em que o poder de um líder ou partido é concentrado. Na realidade, não se trata de uma "resposta" a uma crise atual, mas de posicionamento baseado em tradições centenárias - confucionismo, teocracia islâmica e absolutismo monárquico - que impedem o estabelecimento de Estados democráticos de direito. 

A terceira forma de reação à crise das democracias aponta para mais democracia, e não menos. Parece não haver alternativa a não ser esta para países de tradição democrática. No entanto, tal reação mundo afora tem sido insuficiente. Democracias seguem paralisadas diante da ameaça permanente de avanços iliberais e autocráticos. Agendas de partidos políticos há tempos deixaram de refletir interesses da sociedade. Forças de mercado seguem inoculando a política com interesses particularistas, característicos da economia capitalista do séc. XX. Pior: avanços tecnológicos seguem gerando incertezas e agravando a desconfiança da população em relação à capacidade das democracias de oferecerem uma perspectiva futura de bem estar.


O momento parece demandar uma nova filosofia política capaz de estabelecer o equilíbrio entre Estado, mercado e sociedade. Enquanto uma nova fórmula de organização social não emerge, o único caminho da ação possível é o da transformação incremental dos meios de promoção democrática.
Novas tecnologias oferecem um caminho promissor para isso. Internet das Coisas, Inteligência Artificial, blockchain e computacão em nuvem já revolucionam a relação entre consumidores e empresas e, de modo semelhante, podem revolucionar a relação entre os cidadãos e o Estado. Ferramentas digitais já possibilitam uma participação granular ativa de consumidores no desenho produtos e serviços em atendimento a nichos específicos e, novamente, nada impede que os mesmos
recursos sejam empregados de modo que projetos e a gestão públicos estejam mais afinados com as demandas da sociedade.


Mecanismos de monitoramento e controle, potencializados por algoritmos, já tornam melhores e mais transparentes processos de gestão. Nada impede que sejam empregados para a obtenção de excelência na qualidade do gasto público. Em suma, a partir das tecnologias é hoje possível radicalizar o funcionamento do Estado Democrático e, quem sabe, da própria democracia. Contudo, para que isso seja possível o emprego tecnológico deve ter como objetivo o ganho de bem estar social e não primordialmente o lucro dos envolvidos. Lamentavelmente, no mundo da política, as aplicações do mundo digital tem sido empregadas para fins distópicos. Mas isso pode mudar.

 

O Brasil é a maior democracia do hemisfério sul e o país originador de diversos conceitos de inovação democrática. Basta seguir esse  caminho. É nossa história. Não precisamos esperar que outros países o façam. É responsabilidade do  governo Lula fazer com que o Brasil assuma papel de vértice da transformação democrática no mundo. 

Philip Yang é fundador do URBEM e Senior Fellow do CEBRI.

André Leirner é membro fundador da Rede Brasileira de Conselhos. 

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