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18/08/2017

Ruan de Sousa Gabriel

O Sesc 24 de Maio, que abre as portas neste sábado (19), e o Instituto Moreira Salles, a ser inaugurado em setembro, reproduzem a cidade dentro de edifícios de concreto e vidro

Quando o sol começa a se esconder atrás dos prédios de São Paulo, as paredes de vidro do Sesc 24 de Maio se transformam num espelho do centro da cidade. O vidro novo do Sesc, inaugurado neste sábado (19), reflete a sujeira, as pichações e a arquitetura rebuscada das galerias e prédios antigos daquela região tão degradada, mas onde ainda resistem um comércio vibrante e um fluxo caudaloso de pessoas enquanto há luz. O novo Sesc é um imponente bloco de vidro sustentado por robustas colunas de concreto aparente. Ali, funcionou durante 57 anos a Mesbla, uma das lojas de departamento mais populares da cidade. O projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rochaaproveitou a grande cúpula central do antigo prédio para construir a nova estrutura. O térreo é aberto, como uma continuação da calçada, e se transforma numa espécie de praça ou passarela para quem estiver em busca de um atalho. Dali, sobem rampas largas, em zigue-zague, que correm rente às paredes de vidro e vão até a cobertura, onde há uma piscina e uma vista generosa para alguns dos edifícios mais famosos de São Paulo, como o Itália, o Copan e o Martinelli.

“Não ficou mal”, disse a ÉPOCA o modesto Paulo Mendes da Rocha, vencedor do Prêmio Pritzker, apelidado “Nobel da arquitetura”. “O que a gente quer é alegrar os trabalhadores que vão frequentar o prédio. Dá para se divertir bastante lá.” O Sesc 24 de Maio, sem dúvida, fará mais por seus frequentadores. Como uma cidade vertical, o prédio reúne teatro, café, comedoria, consultórios odontológicos, ginásios esportivos, biblioteca e espaços de convivência. A cidade, aliás, é uma das inspirações arquitetônicas do prédio. Segundo Mendes da Rocha, as rampas são reflexos das muitas ladeiras de São Paulo, como a Ladeira Porto Geral e a Rua Augusta.

A 3 quilômetros do Sesc 24 de Maio, subindo a ladeira da Rua da Consolação e dobrando à direita na Avenida Paulista, ergue-se uma torre de vidro de nove andares. Uma escada rolante leva os pedestres da calçada até uma praça pública a 17 metros de altura. É a nova sede do Instituto Moreira Salles (IMS), projeto dos arquitetos Vinicius Andrade e Marcelo Morettin, uma estrutura arrojada de aço, concreto e vidro que sustenta algumas paredes de madeira vermelha que asseguram isolamento acústico e luminosidade adequada às salas de exposição. Além das galerias de arte (e da praça), o novo centro cultural, a ser inaugurado em 19 de setembro, terá café, restaurante, salas de aula, cinema e uma biblioteca especializada em fotografia.

Numa visita guiada ao canteiro de obras, interrompida às vezes pela estridência dos alarmes de incêndio em testes, os arquitetos disseram à reportagem que o prédio procura importar a dinâmica das galerias do centro da cidade – como aquelas vizinhas ao Sesc 24 de Maio – e do metrô. “O prédio do IMS se apresenta como uma continuação da cidade. Nós queremos aproveitar o fluxo virtuoso da região e criar um prolongamento das escadas do metrô e das calçadas da Paulista dentro do edifício”, diz Andrade. “Desde o calçamento da praça – as pedras portuguesas que estão na memória dos paulistanos – até a escolha de materiais como os vidros da fachada e a organização das atividades culturais aqui dentro indicam que o prédio do IMS faz parte do espaço público”, afirma Morettin.

Apesar das diferenças, o novo Sesc e o IMS são exemplos concretos de um movimento cultural que, nos últimos anos, vem reivindicando novas dinâmicas urbanas e maior integração entre as pessoas e o espaço público. O IMS atua com excelência em algumas áreas, como a fotografia, possui um acervo rico e abre as portas no corredor cultural mais pulsante da cidade. Nos últimos anos, a Paulista deixou de ser território dos engravatados e dos bancos para se tornar palco não apenas de protestos políticos, mas também de manifestações culturais que ocuparam os prédios, as calçadas e o asfalto. “A Paulista é um tecido urbano muito rico: tem comércio, muita moradia e equipamentos culturais extraordinários, como o Masp, a Casa das Rosas, o Sesc Paulista e agora o IMS”, diz Philip Yang, fundador do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole (Urbem). “Apesar dos ciclos de maior ou menor valor econômico e social, a Paulista conseguiu manter-se viva graças a esse tecido urbano que mistura serviços, moradia e cultura. O desafio é introduzir essa mistura no centro histórico.”

O Sesc 24 de Maio, localizado no centro histórico, pretende ajudar a cidade a vencer esse desafio. “O Sesc está numa região problemática da cidade, que já foi muito mais qualificada do ponto de vista do espaço e do uso. A abertura do Sesc é um elemento importante para criar uma dinâmica noturna nessa região da cidade, que é movimentada durante o dia, mas adormece cedo”, afirma Fernando Mello Franco, arquiteto que participou do projeto do novo Sesc e foi secretário de Desenvolvimento Urbano na prefeitura de Fernando Haddad (2013-2016). “O Sesc pode ajudar o centro a se tornar um pouco mais como a Paulista, onde a permeabilidade entre as edificações e a rua permite o encontro entre públicos diversos e diferentes entre si – e isso é muito importante num momento tão conflituoso como o que o país está vivendo.” Carlos Augusto Calil, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e secretário de Cultura nas gestões de José Serra e Gilberto Kassab (2005-2012), afirma que a criação de um corredor cultural no centro de São Paulo pode incentivar uma interação entre o público e a região. “É fundamental que a população se aproprie do espaço público e também dos espaços fechados neste momento de grande penúria do centro”, diz. “Os centros culturais podem ser lugares democráticos, de grande sociabilidade e bem-estar. Para isso, a arquitetura deve ser amigável: amplos espaços de circulação, pés-direitos altos, luminosidade e uso de materiais adequados na construção.”

Equipamentos culturais, como museus, são em geral construções horizontais, em busca de melhor fluidez aos espaços. No entanto, os projetos arquitetônicos do Sesc 24 de Maio e do IMS apostaram na verticalidade para reproduzir tudo aquilo que configura uma cidade – cultura, lazer, espaços de convivência – dentro dos edifícios de concreto e vidro. Daí, vieram soluções originais e inventivas como as rampas de Mendes da Rocha e a escada rolante de Andrade e Morettin, que permitiram a extensão da calçada pública para dentro dos prédios, facilitando o acesso e a fruição do espaço. Segundo Mello Franco, essa vocação observada nos dois projetos, que não apresentam divisões claras entre o interior do prédio e o espaço público e são exemplos de “fachadas ativas”, é um conceito presente no Plano Diretor Estratégico de São Paulo, aprovado em 2014. “Esses dois projetos são exemplares e ilustram aquilo que a comunidade arquitetônica defende há muito tempo: que o fortalecimento do espaço público é a forma mais eficiente de construir valores urbanos”, diz Mello Franco. “Os centros culturais reforçam uma ideia que é forte sobretudo entre as novas gerações: é possível estabelecer uma nova relação com o espaço público e reconstruir a vida urbana que se depauperou ao longo do tempo.”

Desde o estouro da crise econômica em 2008, proliferaram os movimentos de ocupação do espaço público, como o Occupy Wall Street e as manifestações da Primavera Árabe – na Turquia, a sublevação popular começou como um protesto contra a construção de um shopping center no Parque Gezi, em Istambul. A crise também minguou os recursos destinados a edifícios grandiosos e houve um resgate da face social da arquitetura. Em 2011, o arquiteto dinamarquês Jan Gehl publicou o livro Cidade para pessoas(Perspectiva) e causou um rebuliço no meio arquitetônico ao defender centros urbanos mais humanos e a integração dos térreos dos edifícios ao espaço público. “Vivemos um momento histórico: há um interesse genuíno pelo espaço urbano. Esses movimentos que saem às ruas para se manifestar também querem usufruir o espaço público”, diz Andrade, interrompido algumas vezes pelo alarme de incêndio do IMS em obras. Quem diria, o concreto que ergueu muros agora abre espaço para a cidade.

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