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Tendências e Debates

Folha de S. Paulo 

22 de outubro de 2023

O Brasil sempre pela paz

É preciso agir quando se pode fazer a diferença

Philip Yang*

José César Martins**

 

Deveria ser óbvio, diante do banho de sangue que presenciamos esses dias em Israel e na Palestina, que a comunidade internacional chegasse ao consenso quanto à necessidade cessar-fogo. Não é o que se vê. Redigida pelo Brasil, a Resolução do Conselho de Segurança da ONU – que poderia evitar a continuação de bombardeios e levar água, alimentos e eletricidade à população civil inocente na Faixa de Gaza – foi vetada pelos Estados Unidos. Na visão de Washington, o texto não teria expressado suficientemente o direito de Israel à autodefesa.

 

Curiosamente, o Brasil está entre os poucos países - talvez o único - com a possibilidade de romper esse ciclo vicioso da guerra. Não temos passivo de conflitos. Com um gesto a um só tempo altruísta e fundado em nossos interesses permanentes, o Brasil reúne as condições políticas, materiais e humanas para propor a emergência de uma "Operação de Manutenção de Paz", sob a égide da ONU. Uma missão brasileira deveria ser liderada por nossas tropas e complementada por forças de países que, como o Brasil, não detém interesses geopolíticos diretos na região. Essa contribuição do Brasil não seria inédita. Nas décadas de 50 e 60 o Brasil teve decisiva participação na força de paz do ONU que estacionou em Gaza. Tão relevante foi essa campanha que recebeu o Nobel da Paz em 1988!

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Qualquer grande potência do hemisfério Norte hoje é incontornavelmente vista com suspeição pelas demais no contexto do Oriente Médio. O impasse atual no Conselho de Segurança reflete a tentativa de uma imposição de poder hegemônico por parte dos Estados Unidos, o temor de sua erosão e, pior, evoca a desconfiança em relação à sedimentação de uma nova configuração de poder na Ásia Ocidental. 

 

Por estar alheio a este contexto, o Brasil reúne as condições de se apresentar como mediador isento, suficientemente desinteressado e descolado das tramas regionais, mas suficientemente capacitado e interessado em promover a paz e elevar o seu perfil internacional. ​​​​ ​ ​ ​​

 

Como entre 1957 e 1967, quando tivemos papel decisivo para que o Oriente Médio vivesse momentos de paz, aquela participação reeditada agora, é ainda mais decisiva. Naqueles dez anos, a missão integrada por mais de 6.000 jovens compatriotas teve a responsabilidade de pacificar a região de Gaza. E fez isso com louvor. Em 2011, o Brasil integrou a operação de paz no Líbano com a contribuição de mais de dois mil militares. Entre 2004 e 2017, o Brasil esteve envolvido na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, numa operação em que 37 mil militares foram responsáveis por tarefas de coordenação e comando militar. Pela excelência da atuação de nossos quadros, e por ter fornecido o maior contingente de tropas, a missão trouxe prestígio e reconhecimento ao Brasil.

 

Nossas credenciais técnicas e diplomáticas se associam ao dever moral de atuar em favor da paz neste momento em que o mundo teme o pior desfecho para a crise. Diferentemente do contexto da guerra na Ucrânia, no Oriente Médio temos razões e tradição para nos posicionarmos com voz e atitude conciliadora. O Presidente Lula, reconhecido internacionalmente por sua habilidade mediadora, pode - agora sim - ter papel decisivo no encaminhamento desse processo, na Cúpula do Egito que está por acontecer.

 

Não podemos nos abster de um papel ativo quando temos o potencial de fazer a diferença. As operações de paz são um pilar importante para inserção internacional do Brasil e agora, num momento em que o país retorna à normalidade democrática, podem contribuir para que o Brasil tenha papel central no novo capítulo da paz mundial a ser construído urgentemente.

 

*Philip Yang é fundador do URBEM e Senior Fellow do CEBRI.

José César Martins é sociólogo, coordenador do coletivo “Derrubando Muros.

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