Monolito
Volume 63, dedicado à reabertura do Teatro Cultura Artística
16 de abril de 2025
Três encantamentos
Philip Yang
A reabertura do Teatro Cultura Artística nos convida a celebrar três grandes prazeres: o encanto da música, a beleza da arquitetura e a alegria de ver um espaço da cidade pulsando outra vez. Em tempos de mudanças que apagam a história e de fachadas que viram apenas vitrines de vidro, é um alívio ver um lugar que não só ressurge das cinzas, mas que volta com toda a sua força, como se nos dissesse: "Estou aqui e faço parte da cidade. Venham!"
Vamos começar pelo óbvio – ou nem tanto: a música. Para alguns, o Cultura Artística é só um lugar onde se ouve música. Mas o teatro sempre foi muito mais do que isso. Desde sua origem, o espaço foi desenhado para que a música fosse vivida, não apenas ouvida. A renovação do Cultura significa o resgate de uma das melhores curadorias musicais do Brasil.
Desde os seus primórdios, o Teatro Cultura Artística se destacou por uma programação de altíssimo nível, que logo o elevou ao status de um verdadeiro templo da música na cidade. Palco de memoráveis apresentações de artistas consagrados e de novos talentos, o teatro sempre buscou manter um equilíbrio entre tradição e experimentação. Tanto no grande cânone como em repertórios da vanguarda, grandes orquestras e lendários regentes e solistas se alternaram com artistas emergentes que o teatro sempre soube identificar e promover.
Agora, falemos do casco, mas sem aquela ideia de que é só uma "casca". O projeto de Rino Levi é uma aula de como fazer um edifício. O que o incêndio de 2008 destruiu, a reconstrução trouxe de volta com uma reverência cuidadosa. Tombado nas esferas federal, estadual e municipal, o teatro passou por uma reforma, conduzida pelo arquiteto Paulo Bruna, discípulo de Levi, que envolveu a colaboração de especialistas em restauração e respeita suas características originais. A fachada e o foyer térreo e superior foram cuidadosamente recuperados, mantendo as cores e revestimentos do edifício original de 1950.
O mural "Alegoria das Artes", de Emiliano Di Cavalcanti, composto por 1,2 milhão de pastilhas de vidro, foi o primeiro espaço a ser requalificado. A nova sala principal, com 750 lugares, foi concebida com foco na qualidade da projeção do som. Consultores internacionais especializados em salas de concerto colaboraram para garantir que a forma da sala e os materiais utilizados proporcionem uma excelente acústica. Obra da artista Sandra Cinto foi incorporada à sala, não apenas como elemento estético, mas também como recurso funcional de reverberação.
Mas não dá para falar da reinauguração do Cultura Artística sem falar de São Paulo. O Teatro não só existe na cidade, mas conversa com ela. O Café do Teatro, a Livraria Megafauna e a fachada transparente dão a sensação de que o prédio faz parte da rua. Com tudo isso renovado, o Cultura Artística voltou, talvez até com mais força.
Ele é o mesmo, mas agora parece que percebemos ainda mais o quanto ele é essencial. Porque São Paulo precisa de espaços assim. E, convenhamos, quem não gosta de passar pela Rua Nestor Pestana e ver aquele prédio imponente, mas ao mesmo tempo acolhedor, como quem diz: “Entra, tudo isso também é seu”?
Não é um prédio que se fecha, isolado em si mesmo. É um lugar que convida, que se abre. Agora, com o movimento dos concertos, ensaios, atividades educacionais e o bom agito da livraria e do café, esse convite está ainda mais explícito. Você não precisa estar lá só para ver um espetáculo; pode parar para desfrutar o espaço, passear, folhear um livro e contemplar a Praça Roosevelt pela janela e admirar o entorno agora iluminado pela luzes do teatro.
O Cultura Artística, ao se abrir para a rua, também ajuda a trazer mais vida para essa área. A cidade ganha vibrância nesses espaços. Estamos falando de um bairro que, nas últimas décadas, passou por transformações incríveis. E o teatro vira uma nova âncora para isso: um ponto de referência, um lugar de encontros. Mais do que um espaço cultural, o Cultura Artística é uma parte da engrenagem que faz São Paulo girar, que liga as pessoas, que mistura o espetáculo com o cotidiano.
A reinauguração do Teatro Cultura Artística é uma chance de ver, ouvir e viver a cidade de um jeito renovado. É música, arquitetura e vida urbana se encontrando, se misturando, se transformando. No fim das contas, o Cultura Artística não é só um teatro que ressurgiu. É um convite para fruir a cidade, para lembrar que, apesar de tudo, sempre há espaço para beleza e convívio em São Paulo.
Philip Yang é fundador do Instituto URBEM.